quinta-feira, 17 de março de 2011

A SITUAÇÃO POLÍTICA ACTUAL

Apesar da evolução social e política que se verificou em Portugal, principalmente pós 25 de Abril de 1974, o sistema político em vigor, baseado quase exclusivamente na votação em partidos políticos, ainda está longe de poder ser considerado o ideal.

Esta idéia surge do facto do sistema político actual, na prática, não ser suficientemente representativo e de limitar, em muito, o valor intelectual e humano de cada individuo eleito. Na realidade, presentemente, cada político tem a obrigação de se sujeitar às directrizes da força partidária que representa, resguardando para um segundo plano a sua convicção pessoal sobre as várias questões políticas e sociais que são debatidas diariamente, nos órgãos fiscalizadores e de decisão. Deste modo, somos forçados a assistir ao espectáculo sempre triste e degradante de ver indivíduos a defenderem determinadas idéias quando o seu Partido Político se encontra na oposição e a recusarem-nas quando este chega ao Governo, ou vice-versa.

A forma repetida com que estas situações ocorrem, provocam a desilusão e o descrédito na opinião pública e entre os eleitores, que se sentem defraudados nas suas expectativas e governados por indivíduos sem palavra ou carácter. No entanto, inúmeras vezes, essa avaliação é injusta, uma vez que esses mesmos indivíduos, se não estivessem sujeitos à lealdade partidária a que o sistema obriga votariam de acordo com as suas convicções pessoais.

Por outro lado, o sistema político actualmente em vigor não se mostra suficientemente representativo. A nossa sociedade, como todas as sociedades existentes no Mundo, não é pura e nem homogenia. No entanto, se verificarmos atentamente quem toma assento nos órgãos políticos de decisão, verificamos que, apenas um grupo limitado de indivíduos, que poderão ser considerados como uma “elite”, entram nas listas de candidatos em posição elegível e são, de facto, eleitos.

A total falta de representatividade de várias classes, principalmente das classes socialmente mais desfavorecidas e marginais, origina o conflito, as manifestações e os sentimentos de revolta relativamente à política e aos políticos. Infelizmente, no caso concreto de Portugal, essa situação tem-se vindo a agravar de dia para dia, evidenciando o descontentamento de muitos cidadãos nacionais. Situação esta que, em nada, incentiva o desenvolvimento nacional.

Os partidos políticos, com a corrida desenfreada às figuras mais cultas, melhor colocadas socialmente, com uma boa imagem social e uma vida aparentemente estável, acabam por transformar as cúpulas partidárias em verdadeiros ninhos de intelectuais e tecnocratas, que representam a classe menos populosa em qualquer sociedade, por mais evoluída que seja.

Presentemente, é uma realidade incontornável que a população portuguesa está cada vez mais divorciada da vida política e da guerrilha político-partidária. Tal poderá ser observado, por exemplo, através de uma análise aos resultados eleitorais, quando olhamos para valores como o da abstenção.

Nas eleições realizadas em Portugal após 25 de Abril de 1974, segundo os valores tornados públicos pela Comissão Nacional de Eleições, o índice de abstenção cifrou-se nos seguintes valores, nas respectivas eleições:

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

27.06.1976 – 24,53%

07.12.1980 – 15,61%

26.01.1986 (1ª VOLTA) – 24,62%

16.02.1986 – 22,01%

13.01.1991 – 37,84%

14.01.1996 – 33,71%

14.01.2001 – 50,29%

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS

25.04.1975 – 8,34%

25.04.1976 – 14,38%

02.12.1979 – 17,13%

05.10.1980 – 18,08%

25.04.1983 – 22,21%

06.10.1985 – 25,84%

19.07.1987 – 28,43%

06.10.1991 – 32,22%

01.10.1995 – 33,70%

10.10.1999 – 38,91%

17.03.2002 – 38,52%

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS

12.12.1976 – 35,45%

16.12.1979 – 28,24%

12.12.1982 – 28,58%

15.12.1985 – 38,10%

17.12.1989 – 39,09%

12.12.1993 – 38,60%

14.12.1997 – 39,90%

16.12.2001 – 39,88%

PARLAMENTO EUROPEU

19.07.1987 – 27,58%

18.06.1989 – 48,90%

12.06.1994 – 64,46%

13.06.1999 – 60,07%

REFERENDOS

28.06.1998 – 68,11%

08.11.1998 – 51,88%

Dos valores oficiais supra descritos, há realidades que são incontornáveis como, por exemplo:

1. Nas últimas eleições presidenciais mais de metade dos eleitores portugueses não exerceu o seu direito de voto.

2. Com excepção das últimas eleições legislativas, em que praticamente se manteve, a abstenção tem subido de eleição para eleição.

3. Desde 1985 que, nas eleições autárquicas, a abstenção se situa bastante próxima dos 40%.

4. Com excepção das primeiras eleições, que se realizaram no mesmo dia das Legislativas, a abstenção foi a grande vencedora na votação para o Parlamento Europeu.

5. Apesar de chamados a fazê-lo, mais de metade dos portugueses não votou nos referendos que se realizaram em Portugal.

Nestes termos, facilmente se conclui que algo vai mal na evolução da vida política activa portuguesa. O afastamento entre eleitores e eleitos acentua-se e atinge contornos preocupantes.

Que chefe de Estado ou de Governo, poderá considerar-se verdadeiramente mandatado pelo Povo, quando é votado por menos de um terço dos eleitores? [1]

E moralmente, que cidadão será obrigado a aceitar e cumprir as medidas impostas por um Governo eleito nessas circunstâncias?

É evidente que, na situação actual, tanto o Governo tem legitimidade para governar, como os cidadãos têm a obrigação legal e moral de aceitarem e cumprirem as suas determinações. No entanto, a manter-se a tendência de crescimento da abstenção, urge encontrar um meio de aproximação entre eleitos e eleitores, de forma a reavivar o interesse pela vida política e a participação de todos os eleitores nas várias eleições.

Nos últimos tempos, houve quem opinasse pela obrigatoriedade do voto, mas tal proposta, a entrar em prática, faria com que os eleitores participassem na vida política activa por imposição e não como resultado de um direito que lhes assiste. Votar tem que continuar a ser um direito e um dever cívico e nunca uma imposição de quem pretende governar relativamente a quem tem o soberano poder de eleger quem governe.

Assim, a se estudarem soluções para este grave problema político e social, essas terão sempre que observar esse principio democrático. A reaproximação da população à vida política deve ser conseguida através da criação de incentivos democráticos, como uma maior abertura da vida política a todos os cidadãos, uma maior clarificação das medidas impostas pelos governantes, uma mais abrangente discussão nas matérias que, eventualmente, poderão criar mais conflitos sociais e uma forma de eleição que permita um maior contacto entre os eleitores e os eleitos.

Na elaboração de um estudo com vista à descoberta de soluções, importa que não seja esquecido que a sociedade portuguesa evoluiu bastante em termos culturais e de conhecimentos técnicos, principalmente na última década. Hoje, existem muito menos analfabetos, mais licenciados e aqueles que terminam a escolaridade obrigatória deverão, em princípio, sair com um maior leque de conhecimentos. Também a comunicação social, ao realizar o seu trabalho, acaba por esclarecer os espectadores, através de programas culturais, educativos, ou noticiosos. Existe uma maior troca de informação com o uso da internet, a imprensa e os livros especializados abundam em todas as bancas e livrarias, ao mesmo tempo que a televisão por cabo permite a que se assista a programas, muitos deles estrangeiros, que elucidam as pessoas relativamente aos mais variados temas de interesse político, social e económico. A maioria da classe média, nos dias de hoje, possui conhecimentos sobre questões de economia, direito, educação e saúde que, há vinte anos atrás, seriam impensáveis.

Nos últimos tempos também houve quem tivesse defendido que o afastamento dos cidadãos relativamente à vida política se deve à falta de alternativas entre os Partidos que se apresentam à votação. No entanto, se verificarmos atentamente, o número de Partidos e de Coligações tem-se mantido, ou até aumentado, de eleição para eleição, enquanto a abstenção, em vez de retroceder ou estagnar, aumentou. [2] Também a iniciativa de criação de novos Partidos, que têm acontecido ao longo das últimas eleições (PRD em 1985, PSN em 1991 e BE em 1999) não têm conseguido inverter de uma forma clara a tendência de aumento da abstenção, pelo que terão que existir outras razões de fundo que expliquem o crescente desinteresse dos Portugueses pela vida política.

O crescente número de escândalos e casos mal esclarecidos que têm abalado a estrutura política, não será de todo indiferente ao crescimento desse sentimento de desilusão[3], bem como o desgaste provocado com uma política mais baseada na intriga e ataque pessoais do que no confronto político e na critica mais destrutiva do que construtiva.

Urge, assim, a existência de uma alteração profunda na forma de se ver e de se estar na política. Aqueles que fazem da vida política activa uma forma de vida e a sua profissão, têm que passar a assumir uma atitude mais honesta, séria e responsável, de forma a evitar a existência de escândalos semelhantes aos que, infelizmente, já se verificaram; os detentores de cargos político-partidários, devem passar a fazer uma política mais construtiva, aprovando e defendendo as idéias e projectos mais benéficos para o país, independentemente da força partidária que os apresenta e recusando aquelas que poderão prejudicar o país no momento presente ou futuramente, ainda que a proposta saia do seio da sua força partidária; os eleitos devem passar a cumprir os seus mandatos com zelo, estando presentes nas sedes de debate, sem, no entanto, estarem distantes dos eleitores; os governantes devem ouvir com mais atenção a palavra do Povo sobre os seus projectos governativos.

Esta última questão será, sem dúvida, uma das que mais provocam o desligamento do cidadão comum relativamente ao político. Para o “Zé Povinho”, é infindavelmente frustrante erguer a sua voz e manifestar-se contra determinados projectos governativos (tanto ao nível do Governo Central, como a nível Regional e autárquico) e constatar que os seus protestos são completamente ignorados pelos eleitos, como se esses se tivessem tornado nos únicos detentores da verdade suprema, tomando uma atitude arrogante e completamente indiferente à vontade da verdadeira maioria democrática: o Povo!

Presentemente é uma realidade inquestionável que a maioria das medidas governativas que são aplicadas em Portugal, são impostas por além-fronteiras, principalmente por Bruxelas. A construção de uma Europa mais sólida e unida aos níveis político, social e económico, exige o esforço de todos os países e, necessariamente e por arrastamento, de todos os cidadãos europeus. No entanto, os alicerces dessa construção europeia não podem ser o sofrimento, a dificuldade económica e social e a dor das populações mais desfavorecidas. Tal como a obtenção de uma sociedade mais justa e equilibrada deve ser feita de uma forma segura e contínua, sem a criação de prejuízos sociais e revoluções opressoras, também a construção europeia deve seguir os mesmos passos, sob pena de, num futuro mais ou menos próximo, todos os esforços já feitos no sentido de uma maior união virem a ser usados como pretextos para uma maior desunião e, inclusive, para a sua indesejada extinção.

Se nada for feito para alterar o ciclo político actual, Portugal arrisca-se a vir a ser governado por Governos cada vez menos representativos, mais abertos a ligações menos licitas e mais distantes dos anseios dos portugueses. Cada vez é mais necessário o nascimento de novas idéias e projectos políticos, sejam eles apresentados por Partidos, organizações, associações, cidadãos com maiores responsabilidades nos diversos meios ou cidadãos comuns, de forma a que seja motivado um abrangente debate político-social, que consiga, num futuro mais próximo, colher o doce fruto de uma sociedade mais justa e homogénea, sem conflitos de classes, onde todos darão o seu contributo para a construção de uma Paz global, onde todos se sintam bem, com uma existência mais feliz do que a que conhecemos actualmente.



[1]Nas últimas eleições legislativas, a coligação PSD/PP obteve 2 678 115 votos, para 8 717 024 eleitores, ou seja, governa com o voto de 30,72% do total de eleitores; já nas eleições presidenciais, o chefe de Estado obteve 2 401 015 votos, ou seja, é Presidente da República por vontade de 27,54% do total de eleitores

[2] Eleições de 1975 – PS, PPD, PCP, CDS, MDP, FSP, MES, UDP, FEC, PPM, PUP, LCI, ADIM, CDM

Eleições de 1976 – PS, PPD, CDS, PCP, UDP, FSP, MRPP, MÊS, PDC, PPM, LCI, AOC, PRT

Eleições de 1979 – AD, PS, APU, PSD, UDP, FDC, PCTP/MRPP, UEDS, PSR, CDS, POUS, OCMLP

Eleições de 1980 – AD, FRS, APU, PSD, UDP, POUS/PST, PS, PSR, PT, PCTP/MRPP, PDC, MIRN/PDP, CDS, UDA/PDA, OCMLP

Eleições de 1983 – PS, PPD/PSD, APU, CDS, PDC, PPM, UDP, UDP/PSR, PCTP/MRPP, POUS, PSR, LST, OCMLP, PDA

Eleições de 1985 – PPD/PSD, PS, PRD, APU, CDS, UDP, PDC, PSR, PCTP/MRPP, POUS, PCR

Eleições de 1987 – PPD/PSD, PS, CDU, PRD, CDS, UDP, PSR, MDP/CDE, PDC, PPM, PCTP/MRPP, PCR, POUS

Eleições de 1991 – PPD/PSD, PS, PCP/PEV, CDS, PSN, PSR, PCTP/MRPP, PRD, PPM, PDA, FER, UDP

Eleições de 1995 – PS, PPD/PSD, CDS/PP, PCP/PEV, PCTP/MRPP, PSR, UDP, PSN, PG, MPT, PPM/MPT, MUT, PDA

Eleições de 1999 – PS, PPD/PSD, PCP/PEV, CDS/PP, BE, PCTP/MRPP, MPT, PPM, PSN, PH, POUS, PDA

Eleições de 2002 – PPD/PSD, PS, CDS/PP, PCP/PEV/CDU, BE, PCTP/MRPP, MPT, PPM, PH, PNR, POUS, BE/UDP

[3] Os portugueses dificilmente se esquecem de escândalos como os que envolvem:

- O caso das FP 25 de Abril.

- A morte de Francisco Sá Carneiro, que ainda hoje se discute se terá sido provocada por um acidente ou atentado.

- O caso do sangue contaminado com o vírus da SIDA, ainda hoje não completamente esclarecido.

- O caso conhecido como o do FAX de Macau.

- O aumento das portagens na ponte 25 de Abril e os acontecimentos daí resultantes.

- O caso do microfone no gabinete do Procurador Geral da República.

- A fuga ao fisco por parte de alguns ministros e deputados.

- O confronto entre polícias.

- Os touros de morte em Barrancos.

- O caso do português morto devido ao contacto com urânio empobrecido nos Balcãs.

- O caso das viagens fantasmas.

- O caso da queda da ponte de Entre-os-Rios.

- O caso das ligações de Paulo Portas com o caso Moderna.

- Os problemas nas câmaras municipais de Felgueiras e Sintra.

- O caso das fardas militares para a Polónia.

- A demissão da magistrada Maria José Morgado de directora-adjunta da PJ.

- O actual caso da Casa Pia, que há quem defenda o envolvimento de figuras ligadas à política na rede de pedofilia.

- As suspeitas que recaem sobre os Deputados Paulo Pedroso, Ferro Rodrigues, Cruz Silva e António Preto, por muito infundamentadas que sejam ou pareçam.

- O problema político e social nascido com a criação do novo concelho de Canas de Senhorim.

- Os conflitos existentes entre o Presidente da Câmara Municipal do Porto e outras forças vivas da cidade.

- A questão da justificação das faltas aos deputados que foram assistir à final da Taça UEFA.

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